sábado, 24 de agosto de 2013

Dos amuletos.

Seria só uma faca, não fosse o contexto.

Eu descobri recentemente que sou apegada a coisas que me lembram pessoas.
Não pelas coisas. E sim pelas pessoas.

Eu coleciono amuletos. Muitos.
De algumas pessoas, tenho inúmeros.
Anéis, colares, chaveiros, canecas, canetas, garrafas de cerveja. Eu coleciono momentos com estas pessoas.

Cheguei na minha Irmã hoje e comentei:

- Pô, legal o fio desta faca! Onde cê comprou? Acredita que até hoje só tenho uma? E ela é
uma merda...
- Traz todas, que amolo pra você: comprei um troço na Polishop muito bom!
- Desde que montei a casa, só tenho uma, acredita? Sempre detestei faca sem serra porque não cortam...

Continuamos a conversar.

Olhou pra mim, achei até curioso, e num rompante: "Leva essa aí pra você: tenho um monte e essa eu não uso."

- Êeeeee! Brigada!

Continuei falando.

Mas como boa multi tarefas, dentro, eu pensava: "que engraçado: minutos depois ela fala pr'eu levar a faca... deve de ter ficado com isso na cabeça... curioso esse súbito interromper dela... ela não é assim"...

... e continuei falando e ouvindo e rindo.

E a subida até a rua, pr'eu ir embora, que seria o tempo do Halls derreter, virou mais duas horas de conversa no carro.

Daí eu entendi tudo.

Nossa História. Tão nossa.

Pois bem, Moça da Faca: eu sempre achei que cozinha é quase alquimia. É a bruxaria cotidiana.
É onde a gente prende os filhos, os netos, os maridos, os amigos. É ali que também fica um pouco de nós.

Eu sou de Guerra.
Sem medo de ser feliz sendo de guerra.
Não tô muito preocupada em saber quem minha lâmina fere.
Se eu achar que faltou justiça ou correteza nas relações: passo a faca.
Se eu achar que o passar a faca será dolorido, mas necessário: é melhor que tenha fio de corte.

Daí que tu cozinha bem que só a gota.
Daí que a gente sempre foi meio bruxa. Separadas.
Juntas: uma desgraça. Desde os 16.

Daí que faca é de guerra. E de alquimia.
E pra matar a fome dos meninos que têm fome.
E pra tirar fora. Ainda que doa. Por vezes, a gente corta protegendo dum dano maior. Paradoxo. E real.
Faca defende.
Faca é ambígua. Nos gumes.
Faca derrama sangue.
Pra cortar.
Pra nutrir com o próprio sangue.

Eu sempre achei mermo que sou meio Maria Bonita, meio Diadorim.
O Sertão me dá um encantamento que não é de lógica.

Talvez -assim, ao 'acaso'- esta faca represente alguma coisa como "dividir um dom".

De Guerra.
De Alquimia.
De Corte.
De Sangue.
De Fé.

Fé.

Define.

E que a gente sempre tenha o Pão -forragem de estômago e também motivo de reunião de almas em torno da mesa- pra cortar.
E dividir.

Que a gente tenha a destreza necessária nos cortes.
Que a gente saiba motivos.
Que a gente sobreviva a eles: cortes e motivos.

Os recebidos.
Os desferidos.

Que na mão direita a gente traga a faca.

E no mesmo segundo...
... que sejamos capazes de, na esquerda, empunhar rosas.

Vermelhas.
Nada nos representa melhor.
Juntas.

Amo.

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