sexta-feira, 25 de abril de 2014

Ela era. [Ou: parafraseando Guima].

Hey, Mona Pedra!
[São Pedro, para os 'íntimos': a bicha que manda chuva quando mulher quer botar a bunda de fora no verão.]

Permita o sol porque tá entrando a festeira de 'duas peças' pra aproveitar o fim da temporada.

Abra teus portões!
Prepare tuas bexigas!
Abra lugar no teu salão: tá entrando a dançarina.

Chame São João e acenda a fogueira: ela fatalmente a pulará de calça branca de linho.

Traga São Jorge e sua espada: ela é boa no riscado!

Traga suas cervejas: ela nasceu pra boemia!
E a comida bem feita: ela garante!

Era mineira.
Dizia que mineiro é baiano cansado.
Talvez não tivesse a exata medida de como era 'nordestina' no ser:

"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." -diria Guimarães.

Ela tinha.

Nunca foi boa.
Era de pavio curto, fogo na venta e objetividade latente.

Nunca foi má.
Era humana. Demasiadamente humana. O quê garante o direito a ser errante.

Era alegre e cheia de vida.
Era festeira: adorava uma cerveja!
Era boa de forno e fogão que era danado!
Era radical nas próprias convicções.
Era não muito competente Mãe: deixou lacunas. Quem não deixa?
Era uma Avó às avessas: nada de bolinho de chuva e/ou vestidinhos de botões na frente.
Era do palavrão.
Era da voz alta.
Era do cabelo loiro platinado.
Era da vaidade.

Era.
Nos deixou.

Deixou um marido, três filhas e cinco netos. E basta.

Nos deixou, mas não sem lutar.

"Se tiver de sofrer, que seja com dignidade, como gente grande." -ela dizia.

Foi hoje.
Se foi.
Se foi no meio de um 'já não era sem tempo': dor. Muita.

"Vou-me embora pra Pasárgada. Lá sou amiga do Rei." -disse recentemente, há pouco mais de 48h.

Talvez haja um outro plano.
Talvez haja um passo de cura.
Talvez.

Talvez não.

E se 'sim' ou 'não': pouco importa.

Ela me ensinou a andar.
Motoramente falando.
Pouca coisa pode ser mais ilustrativa pra evidenciar o quê ela me foi, de certo modo.
E tendo me ensinado a andar, me tornando decentemente 'bípede', direcionou o caminho: medo sim, covardia não.

Eu nunca vi esta Mulher -quase da gota serena- esmorecer.
Eu nunca a vi titubear perante uma adversidade.

Sangue no olho e vento.
Muito vento.

Ela era.
E era bastante coisa.

Fato é que continuará sendo.
Pra sempre.
No de dentro.

E que siga o caminho.
Existente ou não.
Certeiro ou não.

Acreditava num acolá.
Talvez um pouco diferente do quê de fato é. Ou não.

Que seja como ela pretendia ou ainda melhor: ela merece.



"Oh, Meu Pai do Céu: limpe tudo aí!
Vai chegar a Rainha precisando dormir.
Quando ela chegar, tu me faça um favor: dê um Banto a ela, que ela me benze aonde eu for."


E que seja.


:)







quinta-feira, 3 de abril de 2014

Microcoisas.

A cabeça da gente é mesmo mar sem fim...

Uma frase.
Um sorriso.
Pequenas coisas do cotidiano.
Lembrança-flash. Sabe? Aquela que é uma virada de rosto X de alguém querido, a imagem de uma mão, o franzir da testa, o canto de uma sala, a dobra de página dum livro.
Mote pra turbilhões variados.

E acho que a cabeça de quem sempre teve um mundo à parte tem ainda mais compartimentos: filhos únicos.

Dia desses um Amigo postou na terra de ninguém chamada Facebook: "Sou filho único, cresci sozinho. A vantagem? Sei brincar sozinho, vejo filmes sozinho, vou ao mercado sozinho, cozinho pra mim mesmo, meu dia não depende de ninguém e eu consigo ser feliz só comigo".

Eu diria ainda mais: o mundo particular do filho único é intransponível.
Eu tenho essa sensação todos os dias, quando me olho no espelho.

A gente guarda com a gente nossas microcoisas.
Nossas pequenas partículas cotidianas.
Por mais absurdo que possa parecer pra alguém que sabidamente respira gente, há coisas que são minhas.
E só minhas.

Difícil é chegar numa certa idade e descobrir que parte da sua dificuldade em ser na primeira juventude foi mesmo não se dar conta do tamanho da própria necessidade de individualidade: achava normal dividir tudo, o todo.
Gente! Que coisa mais longe de mim no hoje...

Hoje olho com certa comoção quem tem necessidade de 'estar com' o tempo todo... eu não consigo conceber...

Eu gosto do 'meu'.
Gosto de olhar coisas, pessoas, lugares e saber que... ninguém tem a mais remota ideia do quê to pensando...
... por vezes nem eu sei o quê to pensando, bem verdade! Hahaha!

Essas microcoisas nos compõem.
E partilhar isso o tempo todo, ter -nem que seja com um só alguém- de se dizer nos detalhes de cada coisa é quase se profanar: nossos pequenos mistérios são sagrados.
E antes de mais nada, eles precisam ser conhecidos por nós mesmos: não há como se dizer quando você não sabe sequer começar a fazer...

Bem verdade: a gente não é ilha.
Algumas microcoisas são feitas por -pelo menos- duas partes... e talvez sejam estas ainda mais sagradas: dividir o micro-partilhado é não dar ao outro o direito do anonimato.
É não permitir que a outra parte tenha o direito de... guardar suas microcoisas. Também.

Precisei de muita terapia pra captar o quanto isso define pessoa.
Não: Pessoa. Indivíduo.

Além de toda a necessidade de ser/estar, há ainda um conceito muito importante a ser considerado: vulnerabilidade.
É preciso resguardar os pequenos detalhes justamente pra que não caiam no lugar comum alheio: nem todo mundo vai dar o devido valor ao 'teu micro'. Por vezes os teus 'pequenos detalhes' são banalizados por quem tem outros 'pequenos detalhes': as pessoas não são preparadas pras diferenças. Infelizmente.

É preciso resguardar-se na própria 'sutileza'.
Antes que se aceite ser engolido ainda mais por um sistema que gera números e pessoas em série.
Partilhar de maneira patológica te tira o direito de deixar de ser estatística: você partilha, não é mais seu, passa a ser coletivo e aí: tira a legitimidade do 'eu'.

O teu turbilhão é individual.
Estrelas explodem em micropartículas.
Pra que se derrame detalhes pela vida é preciso ter microcoisas.
A divisão total dos detalhes é quase cissiparidade, criando uma só unidade.
Unidades tendem a ser estáveis.
Não há como 'explodir' a 'estabilidade'. Conceitos excludentes.
Pra que se possa distribuir ao mundo os efeitos já revistos das próprias microcoisas que compõem o seu próprio macro é preciso ser propenso a explosões controladas: elas geram energia.

Taí: é preciso resguardar o micro pra transitar no macro.
Em definitivo.

Por questão simples e pura de sobrevivência.

Acho.