quinta-feira, 18 de junho de 2015

Lobo Bom, o platonicamente aristotélico.

Pra Platão, o Amor Legítimo, aquele puro, deveria ser pautado em Virtude.
"Entendedores" lançaram na roda a ideia de que, sendo assim, o Amor Platônico seria, então, alguma coisa desprovida de desejo. E, tantas vezes, não correspondido.

Sabe nada, Inocente!
Tá morrendo de fome: vá dar aquela saboreada nO Banquete, onde ele trata da pulsão carnal como sendo algo muito natural.

Se souber somar: 1 + 1 = 2. Onde 1' é Amor de Virtude, 1" é desejo sendo inerente à condição humana e 2 é a soma desses fatores.

E, apesar de defender a ideia de que as paixões cegam, dizia também que todo homem apaixonado é poeta.

Aristóteles, cria da Escola Platônica, somou, dizendo que a lei é a razão desprovida de paixão. E que o gatilho de tudo é a paixão.

Trocando em miúdos: daqui do meu foco mirado, dum ângulo de 30°: "é preciso Amor pra poder pulsar".

Ha. Quédizzê.

Mais tarde -de um tanto mais tarde-, inventaram um troço chamado Canção. Que por sua vez, foi dividida em alguns subgrupos, dois deles sendo de Amor e de Amigo.

Basicamente, a Canção de Amor tratava dum Amor Legítimo do Trovador por uma "prenda", cheio de dedos e nuances.
Em contrapartida, a Canção de Amigo era meio Chico Buarque: o cabra assumia um "eu lírico" feminino, numa sofrênça do Amor distante. Acontecia também de alguns textos serem das próprias "prendas" Trovadoras, mas o patriarcado medieval sequer admitiria que mulheres pensassem... compor, então: fora de cogitação e da História oficial da Literatura.

Trovar seria, então, um duelo bom entre satisfação e fracasso. Entre coragem de ser e o medo do não ser.
Entre vida e morte.
Eros e Thanatos em palavras? Talvez?

A real é que, se leis são desprovidas de paixão... não cabe regra no Amor Legítimo: ele é composto das paixões.

Sair da toca talvez seja só uma questão de se questionar sobre quem ganha a luta interna diária nas pessoas: o Lobo Bom ou o Ruim? O que possibilita ou o que limita viver?

Questionários auspiciosos que nos pegam no pulo, essa coisa que pode paralisar.
Rimas fáceis, essa coisa de pulsão de vida.
Canção, essa coisa que evidencia o que a anamnese (do grego "ana": trazer de novo; e "mnesis": memória) psicológica não é capaz de.



Aposto e ganho: a melhor Guerreira Medieval era também a melhor Trovadora.
E as circunstâncias não permitiram que ela fosse constar dos autos do processo histórico.
Aposto também que era perguntadeira.
E apaixonadamente aristotélica.
Amorosamente platônica.
E virtuosamente ela.

E certeza: se chamava Anna.
Que era pra nunca deixar lembranças morrerem.

E sim: com dois Ns.
Que era pra não esquecer de lembrar por dois.

Direto da História que a Literatura nunca contou.

Ou não.







Dia desses me relembraram da parábola dos Lobos.

É essa aqui, ó: http://www.contarhistorias.com.br/2011/04/historia-dois-lobos-dentro-de-mim.html




quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Renato

-e mais gente- disse que o sol da manhã é cinza, de tempestade cor de olho castanho.

E ele estava certo.

A manhã humana não é colorida: ela vem nublada, desforme... é assim com todo recém nascido.
À medida que a capacidade motora vai amadurecendo, e que ele consegue fixar o olhar, é que vai começando a perceber coisas além de vultos. Passa, então, a perceber formas.

E cores.

Capacidade motora.
Fixar olhar.
Ver além de vultos.
Perceber formas.

E cores.

Focando a visão, ainda imatura e meio débil, nos movimentos.

Focando.
Nos movimentos.

Isso me leva a crer, então, que sem movimento e necessidade de fixar num ponto pra ver além daquela massa disforme embaçada... talvez todos fôssemos cegos -ou, ao menos, víssemos tudo como uma enorme bolha nublada-: sem treino, sem desenvolvimento.

De qualquer modo, a sobrevivência depende da delimitação espacial: desde os primórdios a gente sabe que é preciso querer ver pra ter noção de onde e pra onde.

É o início de tudo, o início de todo o Nosso Mundo: o primeiro sopro.
E depois o choro.
E na sequência: a tentativa de ver.
E de reconhecer.

Esforço puro, me parece.

E dali em diante, todos os dias serão iguais: tentativa de ver. E reconhecer.
Entre risos de descoberta, choro de dor, sopros, respiros e suspiros.

Todos os dias a gente acorda não tendo mais o tempo que passou... mas... tendo muito tempo. Ainda.
Todos os dias, antes de dormir, lembra e esquece como foi o dia... pra não travar.

Sem movimento, a visão é sempre de um mesmo ângulo... e o bebê, corajoso e esperto, logo percebe que além da grade do berço existe mais coisa.

O quê? Sabe-se lá...

... mas ele vai: não há tempo a perder. É preciso enxergar além dali.

E depois da grade do berço, o tombo.
E no tombo, os primeiros passos.
E nos passos, o andar meio bêbado.
E depois, tropeços.
E arranhões.
E feridas.
E sangue.

Mas ele segue e nem liga: o suor da tentativa é sagrado. Bem mais belo que o amargo do sangue.

E assim, conquista-se caminho.
No movimento.

Não importa muito pra onde: nunca será de dentro do berço mais. E mesmo que queira voltar: já não cabe ali.
Não importa muito como: a trajetória é sempre mais competente pra ensinar a trilhar do que o alcance dos objetos.
Não importa se será necessário retroceder porque esqueceu a blusa e foi: o importante é ir.

Mesmo sabendo do sol cinza.
E da tempestade.

Pode ser que no caminho haja guarda-chuva.
Pode ser que no caminho exista uma mão pra levantar do tombo.
Pode ser que no caminho alguém dê um óculos quando faltar foco.
Pode ser que no caminho... tanta coisa aconteça...

... até que se aprenda, então, a olhar.

Pra frente. Pra fora. Pras pessoas. Pra dentro de si e reconhecer.

Se reconhecer.

De dentro dos olhos castanhos de cor tempestade. E amêndoa.
E também.

Que vêem no escuro. E luz e cor.
E também.