sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O xixi.

O xixi me disse que sentia-se acuado e precisava sair. 
Foi mais uma terça, mas um pouco fora do habitual.

Ainda sem fôlego e com a coxas frouxas, decidi criar coragem e ir ao banheiro quase colado na cama.

Perto. Muito perto. Caminho curto e melhor assim: sempre foi difícil me pensar nua perante alguém. 
Sobretudo: sempre foi preciso coragem pra estar nua com alguém.

Fingi não perceber que aquele homem me desnudava já nua.
Senti seu olhar me acompanhar conforme me levantei da cama.

Ele, seguramente, dos corpos mais bonitos que já toquei. "Tremenda responsabilidade", pensei assim que medi de cima a baixo, ainda com roupa. Um "vai me dar trabalho", seguido de "será que dou conta?" foram as justas coisas que consegui pensar. Tão bobagem quanto inevitável.

Coxas torneadas. Uma pele linda, escolhida no Pantone. Tórax definido sem exagero, como quem nasce Adão, pronto. Alto, ombros largos o suficiente para que eu os vestisse em mim.

Fração de segundo: senti aquele olho me descarnar. Por um segundo, o ar ficou denso e, minha cabeça de obesa só dizia "ele tá realmente medindo o produto: você não vai passar de ano".

Tá.
Todo aquele discurso de coisificação da figura feminina à parte: levante a primeira pedra quem nunca ficou por um segundo inseguro sem roupa. Vulnerabilidade define. Sentido amplo.

Tudo isso num piscar e... ok. Já estava em pé e a passos leves, embora gorda.

Foi já sentada na privada que me dei conta do tamanho da minha segurança: era eu com a porta aberta, de onde ele via não só parte do meu corpo, mas também o que eu fazia. E ouvia. Xixi, afinal.

 De repente, despertei do transe: ele falava comigo.

- Um peitão lindo... um corpão... taí: gostei... teu corpo é muito bonito. Você é muito bonita.

 "Nota 10 fecha bimestre", pensei.

E foi ali, assim desse jeito pouco desenchavido, pouco ortodoxo, que me lembrei: há seis anos, decidi deixar 40 quilos pra trás.


quarta-feira, 13 de julho de 2016

Por fim. [O circunflexo a gosto do freguês.]



Minha Avó adorava este terço.




Trouxe de Aparecida do Norte quando resolvi conhecer a Basílica.
Cheguei a procurar um igual em outras igrejas de outros lugares que visitei, mas sem sucesso.
Era justamente um 12 de outubro, dia da Santa, e no ano em que descobri o câncer de tireoide.

Nunca vou entender muito bem por que quis ir àquela Basílica.

Hoje, há poucos minutos, cogitei que talvez tenha sido pra achar esta peça.

É curioso, mas... este terço já se arrebentou algumas vezes.
E, inacreditavelmente, em todas elas consegui achar as dez bolotas que vão entre uma medalha e outra.

Aconteceu já de arrebentar mais de três vezes num único mês.

Chegou a estourar debaixo do chuveiro, no meio do banho e... contei dez bolinhas e remontei.

É estranho admitir, mas... presto singular atenção a alguns sinais repetitivos.

Eu tirava a roupa no momento do estouro da corda.
E eu vinha num raciocínio desencadeado sobre finais.
Seria inacreditável se não fosse eu comigo.

Hoje à tarde, ouvia um desabafo de preocupação.
Uma das minhas Melhores Amigas [não por acaso, uma das mesmas que me levaram à Aparecida] tá apreensiva com sua 'cã' e todo o processo de tratamento do 'serumaninho': metástase e a certeza de que o que quer que se faça será contenção de dano e dor.
Não há muito o que ser dito num momento de perda pré-anunciada, mas a certeza de que o silêncio me é tantas vezes agressivo, me leva a querer ofertar algum conforto ou compreensão...
Alguém que divide comigo alguma coisa que incomoda, na minha cabeça, espera -nem que mínimo- algum esboço de reação.
Me coube dizer "ela tá velhinha e doentinha... uma hora acontecerá..." num tom doce, mas meio que indicando o caminho do inevitável.
Disse isso e fiquei me questionando se não havia sido fria, ou objetiva demais, até inútil mesmo... 
Não há muito sucesso no discurso, mas também não há muito contra argumento.

E me lembrei da minha Avó. E também do meu Pai.
E pensei sobre amigos que já não tenho e sobre relacionamentos acabados e familiares que não vejo.
E em ciclos que findam e minha maneira de lidar com isso e me questionei se não estou me tornando uma pedra seca e rígida no que tange finais e... não achei resposta.

Quanto mais tempo se vive, mais laços são feitos e, automaticamente, a matemática traz maior probabilidade de laços desfeitos também.
Há também o fator 'idade', que vai nos levando os dias e pessoas, estreitando a frequência das perdas.
Há aquilo que a gente chama de 'maturidade' na hora de redefinir histórias, mas que é, tantas vezes, só a maneira que a gente tem de passar a perna na definição daquilo que nos deveria ser cotidiano: resiliência. A gente sabe que vai dar ruim e insiste. Daí vê que não vai mesmo rolar e banca de 'maduro'... maior mentira. 

Lembrei de tanta coisa que começou e não foi, de tantos relacionamentos que morreram na praia, de tantas situações inacabadas e emocionalmente amadoras, de gente que não mergulha, gente que teme o vento do mar, não colocando o pé sequer na areia, imagine na água... daí fiquei pensando no tanto de coisa que muda o tempo todo na vida das pessoas e o quanto elas esperam pôr fim naquilo que as desagrada e que, tantas vezes, eu assisto de perto não só as minhas mudanças, mas também...

... o terço estourou.

Eu pensava sobre o final de um relacionamento.
Que não é meu.

Observei, ao longo desse tempo de 'arrebentação de terço', que sempre que acontece, curiosamente, vem uma sequência de ciclos se fechando e outros se abrindo.
Às vezes, muito seguidinhos uns dos outros já que, às vezes, os estouros são mesmo muito seguidinhos uns dos outros...
Acho que to tentando ficar convencida de que há uma linguagem nesses episódios de caça às bolinhas...

Não me lembro qual foi a última vez que meu terço arrebentou.
Significa que já faz tempo... muito mais de ano, talvez.
Não sei dizer.

Eu só sei que achei as dez bolinhas.
E que ele, mais uma vez, foi remontado e, por fim, já se encontra em volta do meu pescoço.


Não sei definir de maneira assertiva essa coisa divinatória em base 10, mas...

... fico no aguardo.

Por ora.






sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Lacre fisiológico.

Era uma vez que um dos filhos da filha da minha Avó -o mais velho, mas sete anos mais novo que eu- aprontou sabe lá o que e era eu "tomando conta".

Daí que deu caca -não me lembro se caiu ou X- e deu ruim pro meu lado: veio a Maria Bonita comendo vento na minha direção.

Sempre fui de debater quando me senti injustiçada. Ali, não foi diferente. E ali eu ainda acreditava que berrar mais alto faria diferença. E assim foi. E falei um monte. E aí o que foi sem querer, virou pessoal. E aí que ela era a mais velha da discussão: tinha razão só por existir. E eu, a mais argumentativa. [Sim: uma criança custosa e não dúctil pra quem se recusava. Pudera, inclusive.]

Na falta de competência em me retrucar, lá foi cascudo: sempre a amei muito, mas ela nunca foi fácil. Tampouco paciente.

Levei. Pelo tombo do garoto -acho que foi isso, não lembro...-, por revidar no discurso -»criança« tem de calar a boca- e por urrar -quem gritava ali era ela e mais ninguém, segundo a própria-.

Lembro que me encolhi na fresta entre o guarda-roupas e a parede. E chorei. E chorei miúdo. Muito. Horas.

Achei que não merecia a culpa por uma inabilidade que não era minha: sempre levantei a mão e disse "fui eu quem fez a caca" quando na minha vez.

Doeu, viu? Nem sei mensurar.

E, às vezes, o mundo será isso sem de que em muitas instâncias.

Severidade gratuita, essa coisa.

Ali porque ela tinha mais idade, talvez.
Ou por representar o poder da casa.
Ou porque, bradando, perdi totalmente o direito a ser ouvida.

A real é que quem grita quase sempre representa o desequilíbrio.

Ainda que o "senta lá Cláudia" seja cruel.
Ainda que o "cala boca senão te bato" seja opressor.
Ainda que "que".

Tem hora que esqueço a lição.

Noutras eu lembro.
E é bem nessa hora que desço do caixote do discurso, guardo o microfone e a viola dentro do saco.

Afinal de contas, O Comedimento sempre tem a prerrogativa da fama da sanidade.

A Argumentação, não.

Ela cumpre bem seu papel, coitada... sacode zona de conforto, tenta entendimento, busca alternativa... mas é barulhenta. E descompensada. E descompassada.

Coitada e calada, de preferência.

- PFVorzinho, amém?
- Amém. -disse a »criança« inconsequente a ser regrada na falta de voz.






sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Como Ar...

- O que há, Pandora?
- Por onde começo?
- Divide o discurso.
- (...).

Ele sofre não Viver.
E ele tem medo de perder Aquela.
Ele lá sofreu um acidente feio.
Ele beijou sem certeza.
E ele quer beijar.
Ele lá tá com saudade do beijo.
Ele Ama e Reluta.
E ele tá com medo de começar a amar.
Ele lá Ama que chega dói.
Ele é inconstante.
E ele teme a constância que cresce.
Ele lá se chama constância e não deixa dormir, nem ser solidão escolhida... e nem viver outras coisas.
Ele encostou o nariz no nariz e sorriu.
E ele sonha com... o tudo no todo.
Ele lá vem com tudo no já.
Ele vai carnavalizar.
E ele é febre de Carnaval.
Ele lá quer Carnaval.
Ele abraça querendo.
E ele não sabe se vai abraçar.
E ele lá vem pra abraçar.
Ele faz perder adereço.
E ele é feliz adereçando.
E ele lá ficou sem conversar porque ninguém pode mexer nas gavetas, tampouco nos adereços.
Ele segurou pelo cabelo da nuca.
E ele teme achar a nuca.
Ele lá sabia que o silêncio momentâneo era por causa da nuca.
Ele xinga mentalmente por ceder sem pensar, mesmo querendo.
E ele quer ceder, mas não sabe.
E ele lá cede de querer matar por saber onde, quando, por quê e... Quem.
Ele queria ter coragem.
E ele tá a um triz de comprar coragem.
Ele lá tá vendendo coragem no varejo.
Ele tem sintonia fina de relógio igual, música no rádio igual, leitura do dia igual, psicologia igual.
E ele teme a sintonia que nasce.
Ele lá adivinha da tristeza por briga ao minuto do beijo na boca, dos motivos ao personagem da vez e... sofre com isso.
Ele cala quando não sabe lidar.
E ele articula muito bem, tanto que passou a ser.
Ele lá argumenta questionando onde, quando, por quê e... Quem e por que Quem.
E ainda tem aquele que nunca deixou de Amar, mas não é correspondido.


- O que você vai fazer, Pandora?
- Abrir a Caixa: vai ser nesse "quando" que o Tudo muda. Eles precisam ter um acerto de contas com a Coragem. Porque Viver é breve.
- Você é corajosa: teu Amor é despendido... como Ar.