terça-feira, 25 de setembro de 2018

Coração recôncavo.


Se há arrependimento na vida? 
Ah. 
Sabe, seu Moço: arrependimento tenho algum. 
Há de haver coisa de olhar para trás e dar por não dado. 
Lembro como hoje certa feita... 
Houve um rapaz que se me enamorou. 
Era dado a valseiro, mancebo que, desde cedo, moça se apreende a não querer: sempre tanto feitiço que se monta fileira de demais moçoilas a arrulhar. Trabalho custoso que dá. 
De insistente ele, eu me punha a negar a devida atenção que se deve dar aos veementes galanteios trazidos pela vida. De qualquer tom, -e de parva que fui-, ali não supunha ser real e me opunha àquelas firulas todas por considerar que nada havia em mim de tão grande que justificasse tamanha tentativa. 
Logo eu, tabaroa completa, um tanto açoitada já pela sorte... não via razão em ser alvo de nada nem ninguém. Não por graça. 
Ai de mim que a vida prova e o tempo logra a insistência: no passar de muitas luas, de alguns tantos trezentos e sessenta e cinco dias, cedi. Decidi creditar monta. 
Num ceder que se aventurou por tantas furtivas vezes em outros igualmente períodos de trezentos e sessenta e cinco dias, num ciclo intermitente que parecia não findar. 
Decerto não seria finito se necessário não fosse para que ambos seguissem sua jornada: em minha insistência em não querer, houve quem quis primeiro e, disto, havia um contrato e um menino, coisa com a qual não se deve disputar espaço por saber-se causa dada. 
Hoje, tanto já passado e muito vivido, ainda permanece vívido o fel da não vivência plena do que poderia ter sido, não fosse meu apego de outrora num temor difuso e pueril. 

Se tenho notícia? 
Às vezes. 
Por certo e doloroso mau destino, a vida escapa algumas de suas feitas. 
Se comigo se importa? 
Por certo hei de ser ainda seu remoto enlevo. Não se é possível precisar. 
O que me cabe é a azarenta justa medida da resposta à sua primeira pergunta. 

Diz-se que como supunha o revisor de gentes, um tal Guimarães, "viver é descuido prosseguido". 

Cá com minhas mágoas, bem paguei minha mazela. 



E assim me contou Dona Justina, do alto de seus sabidos anos, e do profundo de seu coração recôncavo. 
Velha esta que não me arrependo de ter conhecido. 

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