quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Renato

-e mais gente- disse que o sol da manhã é cinza, de tempestade cor de olho castanho.

E ele estava certo.

A manhã humana não é colorida: ela vem nublada, desforme... é assim com todo recém nascido.
À medida que a capacidade motora vai amadurecendo, e que ele consegue fixar o olhar, é que vai começando a perceber coisas além de vultos. Passa, então, a perceber formas.

E cores.

Capacidade motora.
Fixar olhar.
Ver além de vultos.
Perceber formas.

E cores.

Focando a visão, ainda imatura e meio débil, nos movimentos.

Focando.
Nos movimentos.

Isso me leva a crer, então, que sem movimento e necessidade de fixar num ponto pra ver além daquela massa disforme embaçada... talvez todos fôssemos cegos -ou, ao menos, víssemos tudo como uma enorme bolha nublada-: sem treino, sem desenvolvimento.

De qualquer modo, a sobrevivência depende da delimitação espacial: desde os primórdios a gente sabe que é preciso querer ver pra ter noção de onde e pra onde.

É o início de tudo, o início de todo o Nosso Mundo: o primeiro sopro.
E depois o choro.
E na sequência: a tentativa de ver.
E de reconhecer.

Esforço puro, me parece.

E dali em diante, todos os dias serão iguais: tentativa de ver. E reconhecer.
Entre risos de descoberta, choro de dor, sopros, respiros e suspiros.

Todos os dias a gente acorda não tendo mais o tempo que passou... mas... tendo muito tempo. Ainda.
Todos os dias, antes de dormir, lembra e esquece como foi o dia... pra não travar.

Sem movimento, a visão é sempre de um mesmo ângulo... e o bebê, corajoso e esperto, logo percebe que além da grade do berço existe mais coisa.

O quê? Sabe-se lá...

... mas ele vai: não há tempo a perder. É preciso enxergar além dali.

E depois da grade do berço, o tombo.
E no tombo, os primeiros passos.
E nos passos, o andar meio bêbado.
E depois, tropeços.
E arranhões.
E feridas.
E sangue.

Mas ele segue e nem liga: o suor da tentativa é sagrado. Bem mais belo que o amargo do sangue.

E assim, conquista-se caminho.
No movimento.

Não importa muito pra onde: nunca será de dentro do berço mais. E mesmo que queira voltar: já não cabe ali.
Não importa muito como: a trajetória é sempre mais competente pra ensinar a trilhar do que o alcance dos objetos.
Não importa se será necessário retroceder porque esqueceu a blusa e foi: o importante é ir.

Mesmo sabendo do sol cinza.
E da tempestade.

Pode ser que no caminho haja guarda-chuva.
Pode ser que no caminho exista uma mão pra levantar do tombo.
Pode ser que no caminho alguém dê um óculos quando faltar foco.
Pode ser que no caminho... tanta coisa aconteça...

... até que se aprenda, então, a olhar.

Pra frente. Pra fora. Pras pessoas. Pra dentro de si e reconhecer.

Se reconhecer.

De dentro dos olhos castanhos de cor tempestade. E amêndoa.
E também.

Que vêem no escuro. E luz e cor.
E também.


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