terça-feira, 1 de outubro de 2013

Eu já tive 16.

Eu já tive 16.
Eu queria sair de SP, aprender inglês ou francês e morar no Canadá. Eu deveria saber que seria longe, eu estaria sozinha, sem família por perto.
Eu já tive 16.
Eu batia as portas da casa a cada vez que me impediam de Ser. E hoje, sonho com filhos adolescentes que destemidamente batam a porta na minha cara, pra me provar que o Mundo não os impedirá.
Eu já tive 16.
Eu não queria casar. Achava todo e qualquer tipo de rédea a coisa mais fora de propósito na vida humana. Ouvia que um dia eu quereria ter pra onde e quem voltar.
Eu já tive 16.
Eu voltava das festinhas na USP com os amigos -que se drogavam na minha frente e eu, sempre careta, deixava o cara Ser, sem rotular- à pé. Algumas vezes, voltava mais de meia noite, quando os encontros eram mais próximos da minha casa, sozinha. Não deveria, já que era perigoso e alguém poderia me abordar no escadão de acesso à minha rua.
Eu já tive 16.
Eu achava que a vida pra quem era ignorante era um profundo tédio e, por isso, me via diferente e achava que o mundo seria meu a partir do momento do meu nome e RG estando contidos na lista da Fuvest. E me diziam que o mercado de trabalho e os elos sociais não eram tão simples assim.
Eu já tive 16.
E nesta época, eu bem pouco temia.
E mesmo do escuro: eu me livrava dele olhando profunda e minuciosamente tudo o quê ali poderia existir, naquele mundo oculto de penumbra. 
Não é novidade pra ninguém o tal terceiro olho que me acompanha e que, hoje, eu domino.
Mas ali, naqueles 16 anos, eu me sentia gigante porque saber que temia o escuro e ainda assim o encarava.
Hoje eu moro só e lido com isso bem demais.
Primeiro porque não há solidão total depois da Internet: meus Amigos estão todos aqui e, tantas vezes, eu não quero tirar o roupão pra coabitar com.
Hoje, temos ainda o advento do 'spertophone', e isso sim é a glória: mensagens picantes na calada da noite pra apartar saudade, bom dia desarvorado pela manhã de amigo em apuro, um pedido de socorro e 'venha até aqui' num fim de tarde: todos me acham quando querem. E eu a eles.
Há o agravante de ser filha única, primeira neta, primeira sobrinha, ter trabalhado por anos a fio numa biblioteca. Tantas vezes, meus amigos que me vêem no oba-oba, passam dias ao meu lado e perguntam: "o quê você tem?".
Nada. 
O silêncio e a solidão me compõem. E hoje, de maneira saudável: eu preciso deles.
Hoje eu não bato portas.
Fico me perguntando quem existe do outro lado. E me pergunto porque do lado de cá eu precisaria bater portas pra Ser. E me sinto tolhida por tudo isso. Acho mesmo que o tacape é meu companheiro e adestrá-lo é das coisas mais dolorosas pra mim. E quase sempre, não sei como agir com meus instintos primitivos. E que são absurdamente aflorados. Fazer o quê pra segurar a natureza?
Nada.
O 'ser social' significa coabitar dentro do politicamente correto, no fim das contas. E infelizmente.
Hoje eu já carrego um histórico de casamento e descasamento. Alguns relacionamentos. E tudo o quê mais faço na vida é criar laços duradouros, que me prendem e seguram nas minhas próprias emoções. Não me refiro propriamente a Amores passados e só. Eu me refiro aos Amigos presentes e à Minha Família, que pode ter todos os defeitos do mundo, mas é de onde eu vim. É ali que tudo começa. Eu sempre tenho pra quem voltar. E pior: eu sempre tenho por quem nunca ir. Como fazer pra lidar com isso?
Nada.
Individualidade não caracteriza falta de laço.
Hoje, eu, que não rotulava, passei a ter de fazer pra entender e categorizar. E lido todos os dias com os milhares de rótulos que me são impostos.
Eu temo o farol no cruzamento. Temo o bêbado dirigindo às sextas feiras. Temo a violência urbana. E eu temo pelos que vigio e zelo, pra ainda mais agravar o quadro. O Meu Amor é de Vigília. Eu guardo. Eu poupo. Eu pondero. Eu sou matriarca no melhor e no pior da palavra. Hoje eu temo. E o quê se há de fazer pra destemer?
Nada.
Viver é um triz e temer é processo.
Hoje sou formada pela melhor Universidade da América Latina, falo fluentemente uma segunda língua, arrasto noutras, tenho conhecimento de usuário profissa em informática e moderado em outras tecnologias, sou articulada, falo de múltiplos assuntos, tenho uma boa teia de relacionamentos, gosto de gente, mas... o meu maior e melhor conhecimento aleatório é em psicologia, justamente pra poder dar conta do tamanho do angu. E como e o quê fazer pra ser capaz de se sentir seguro no mundo prático?
Nada.
Não existe segurança naquilo que é mutante.
Hoje eu continuo a enfrentar escuros.
Os próprios.
E dentro deles, cabe a aproximação entre iguais.
Eu ainda quero entender porque a gente tem tanto medo de SER FELIZ.
Eu ainda vou achar o meu caminho pra driblar isso.
E vou conseguir dar a mão pra quem também não achar o próprio.
É curioso, mas talvez valha dizer que tenho ouvido recentemente, e repetidas vezes de alguém importante pra mim que... eu sou 'cuzona'.
É.
Eu sou, confesso.
Sob alguns aspectos: sou.
E observando daqui: este alguém não é muito diferente. Há ali também um quê -bem demarcado, tanto quanto em mim, diga-se de passagem- de 'cuzão'.
Olho pro lado e vejo que a maioria dos Meus Grandes Amigos, os Meus Irmãos de Alma, estão com os mesmos medos que eu.
Por vezes, as nuances mudam.
Outras, são idênticas.
... "como uma segunda pele, um calo, uma casca, uma cápsula protetora"...
Eu ainda vou descobrir -em mim e no outro- em quê momento a gente permite que a porta batida vire o muro eletivo. Ou que o medo do assalto nos impeça de ir.
O meu mundo é uma enorme 'Cuzoneland'.
E daqui, do meu temeroso escuro, o meu maior medo é de que a gente se permita nunca ser capaz de voltar a ter 16 anos.
Eu.
E todos os Meus Cuzões.
Amor.
Amigos.
Família.

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