quinta-feira, 3 de abril de 2014

Microcoisas.

A cabeça da gente é mesmo mar sem fim...

Uma frase.
Um sorriso.
Pequenas coisas do cotidiano.
Lembrança-flash. Sabe? Aquela que é uma virada de rosto X de alguém querido, a imagem de uma mão, o franzir da testa, o canto de uma sala, a dobra de página dum livro.
Mote pra turbilhões variados.

E acho que a cabeça de quem sempre teve um mundo à parte tem ainda mais compartimentos: filhos únicos.

Dia desses um Amigo postou na terra de ninguém chamada Facebook: "Sou filho único, cresci sozinho. A vantagem? Sei brincar sozinho, vejo filmes sozinho, vou ao mercado sozinho, cozinho pra mim mesmo, meu dia não depende de ninguém e eu consigo ser feliz só comigo".

Eu diria ainda mais: o mundo particular do filho único é intransponível.
Eu tenho essa sensação todos os dias, quando me olho no espelho.

A gente guarda com a gente nossas microcoisas.
Nossas pequenas partículas cotidianas.
Por mais absurdo que possa parecer pra alguém que sabidamente respira gente, há coisas que são minhas.
E só minhas.

Difícil é chegar numa certa idade e descobrir que parte da sua dificuldade em ser na primeira juventude foi mesmo não se dar conta do tamanho da própria necessidade de individualidade: achava normal dividir tudo, o todo.
Gente! Que coisa mais longe de mim no hoje...

Hoje olho com certa comoção quem tem necessidade de 'estar com' o tempo todo... eu não consigo conceber...

Eu gosto do 'meu'.
Gosto de olhar coisas, pessoas, lugares e saber que... ninguém tem a mais remota ideia do quê to pensando...
... por vezes nem eu sei o quê to pensando, bem verdade! Hahaha!

Essas microcoisas nos compõem.
E partilhar isso o tempo todo, ter -nem que seja com um só alguém- de se dizer nos detalhes de cada coisa é quase se profanar: nossos pequenos mistérios são sagrados.
E antes de mais nada, eles precisam ser conhecidos por nós mesmos: não há como se dizer quando você não sabe sequer começar a fazer...

Bem verdade: a gente não é ilha.
Algumas microcoisas são feitas por -pelo menos- duas partes... e talvez sejam estas ainda mais sagradas: dividir o micro-partilhado é não dar ao outro o direito do anonimato.
É não permitir que a outra parte tenha o direito de... guardar suas microcoisas. Também.

Precisei de muita terapia pra captar o quanto isso define pessoa.
Não: Pessoa. Indivíduo.

Além de toda a necessidade de ser/estar, há ainda um conceito muito importante a ser considerado: vulnerabilidade.
É preciso resguardar os pequenos detalhes justamente pra que não caiam no lugar comum alheio: nem todo mundo vai dar o devido valor ao 'teu micro'. Por vezes os teus 'pequenos detalhes' são banalizados por quem tem outros 'pequenos detalhes': as pessoas não são preparadas pras diferenças. Infelizmente.

É preciso resguardar-se na própria 'sutileza'.
Antes que se aceite ser engolido ainda mais por um sistema que gera números e pessoas em série.
Partilhar de maneira patológica te tira o direito de deixar de ser estatística: você partilha, não é mais seu, passa a ser coletivo e aí: tira a legitimidade do 'eu'.

O teu turbilhão é individual.
Estrelas explodem em micropartículas.
Pra que se derrame detalhes pela vida é preciso ter microcoisas.
A divisão total dos detalhes é quase cissiparidade, criando uma só unidade.
Unidades tendem a ser estáveis.
Não há como 'explodir' a 'estabilidade'. Conceitos excludentes.
Pra que se possa distribuir ao mundo os efeitos já revistos das próprias microcoisas que compõem o seu próprio macro é preciso ser propenso a explosões controladas: elas geram energia.

Taí: é preciso resguardar o micro pra transitar no macro.
Em definitivo.

Por questão simples e pura de sobrevivência.

Acho.

Um comentário:

Djair Rod Souza disse...

Lembro da frase, que você compartilhou, e fiquei a pensar no mérito dos pais que também não superprotegeram, deixando-o aprender a virar-se por si.
Brincar sozinho...Ser feliz sozinho, coisa que se aprende, mas que é melhor acompanhado. Outro dia me perguntaram pq não viajo sozinho, sempre vou com alguém, e respondi que é por gostar de comentar, "olha aquele casarão", "puta, esse quadro é maravilhoso", "olha só o detalhe da veia no braço da escultura" e por ai vai...
Brincar sozinho, também o faço, e acredito que se não se sabe ser feliz sozinho, vai ser mais dificil saber ser com outrem, vai ver por isso tanta lamúria e mimimi na terra de ninguém que citastes... E por isso é bom, quem nao saiba, aprender o quanto antes a brincar sozinho e a não levar-se tanto a sério.